domingo, 1 de maio de 2011

Crônica - DESAFIOS DA IDADE

Flávio Tiné

DA MESMA FORMA QUE JÁ HOUVE AVANÇOS NO TRATAMENTO DADO A OUTRAS MINORIAS, O PRECONCEITO CONTRA O IDOSOS TENDE A ACABAR


Ao me aposentar com 36 anos de registro em carteira, sem considerar os trabalhos eventuais como balconista de farmácia e de tecidos, bilheteiro de cinema e datilógrafo de cartório de registro civil e da agência municipal de estatística (ninguém, então, se preocupava com a exploração do trabalho infantil), jamais imaginei que um dia voltaria a trabalhar.

Estava decidido. Filhos formados e casados, separação e divisão amigável dos poucos bens, sem exigência de pensão mensal – louvável e rara generosidade feminina -, dedicar-me-ia ao sonho de escrever livros, fechando o que manda a tradição de ter filhos e plantar uma árvore. Na verdade, já fizera um livro de poemas, com ênfase a sonetos imitando Vinicius de Moraes, e um relato sobre o trabalho de assessoria de imprensa no Hospital das Clínicas de São Paulo, intitulado Pois não, doutor!

Mais do que um trabalho, no entanto, tentava provar a mim mesmo que não era um inútil. Incomodava-me o silêncio, como em Ninguém Escreve ao Coronel, de Gabriel Garcia Marques.

Não esperava a reação das outras pessoas. Alguns diziam que já dera minha contribuição e deveria continuar desfrutando do conforto e do relax que a aposentadoria oferece. Falavam da dificuldade de chegar ao trabalho, marcar ponto, enfrentar chefia, cumprir tarefas, coisas, enfim, das quais já me livrara.

Faz sentido. Quem trabalhou ininterruptamente dos 10 aos 60 anos, nem sempre em condições ideais, respeitando normas trabalhistas, educando filhos e tentando demonstrar um estilo de vida compatível com o status quo vigente e, ainda por cima, sendo fiel às instituições a que serviu, tem o direito de usufruir as chamadas benesses da aposentadoria. É assim no mundo inteiro e está na lei.

No Brasil, principalmente, os aposentados são praticamente obrigados a continuar em atividade, de alguma forma, para suprir as necessidades elementares, já que os rendimentos proporcionados pela Previdência Social (20% da média dos 36 últimos salários) não permitem viver condignamente, salvo a hipótese de dispor de boas economias ou de contar com a ajuda da família.

Se não quiser entrar em depressão nem depender dos filhos, o trabalho traz também o benefício de manter-se em atividade, preservando habilidades manuais e intelectuais.

O inconveniente dos “conselhos” no cafezinho pode ser educadamente desprezado. Essa história de “você foi importante para a instituição”, logo emendado com “ foi e é”, soa claramente com outro sentido: “O que você está fazendo aqui, rapaz, vai pra casa ver televisão!”.

No trânsito é comum os mais jovens gritarem com os mais velhos, ordenando-lhes para sair da frente por estarem atrapalhando. Não consideram que, se os mais velhos têm alguma dificuldade para dirigir, com reflexos menos ágeis, têm mais cuidado nas manobras, até por ter medo.

Suponho que ainda não foram comparados às mulheres, que são premiadas com descontos na renovação de seguros, pelos cuidados ao dirigir.

Da mesma forma que já houve avanços no tratamento dado a outras minorias, o preconceito contra os idosos tende a acabar. Espero estar ainda um longevo funcional para festejar essa nova etapa da vida.

Nota

Flávio Tiné é gravataense ilustre, jornalista de peso. Colabora em vários jornais e Revistas do Brasil. Foi, também, redator de matérias quando exerceu jornalismo no Diário de Pernambuco. Também participou da Revista Realidade e exerceu, no Hospital do Coração em São Paulo, o cargo de Porta Voz da Imprensa.

Ricardo Carvalho

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